Elegia para um Caixão Vazio
[excerto]
[…]
Percorri um caminho incalculável, um
tempo de analogias e de conhecimentos, obedecendo, impotente, a leis naturais
que me vão destruindo e degradando. Estou cansado de perseguir: notícias,
mulheres, o êxito, a felicidade. Ambiciono uma agitação ordenada, saturei-me do
alvoroço aflito, já pouquíssimas coisas me melindram, consegui curar-me de
chagas e de remorsos, expulsei-me eu próprio do sonho. Reconheço-me por aquilo
que fui realizando, seria difícil o contrário, mas tudo o que fiz parece-me
inútil, um intolerável lugar-comum; e já perdi todas as disponibilidades: fui
reduzido e reduzi-me. O grito, a imprecação, a viva-voz são mais contundentes,
mas eficazes do que a palavra escrita. De aí, talvez, que as histórias contadas
de geração para geração (a verdade coral, a oralidade) se tenham mantido mais vivas,
mais coloridas do que a palavra escrita. Nunca consegui viver e reflectir com
rigor e escrúpulo o que vi. Sempre existi num universo de ideias e de alegorias,
e a realidade é-me implacavelmente fastidiosa. Mas houve tempo em que julguei
ser impossível acreditar em outra gente, em outro local, em outro destino. É;
eu sei, tudo isto é deprimente, inacabado até ao fim dos tempos, sem que nada
me tenha notificado do prazo. Todavia, só disponho deste povo, deste país,
destes hábitos, desta monotonia, deste corpo e desta consciência. Queira ou
não, sou impelido a eles, a com eles convizinhar, eis o meu fado, a minha sina.
[…]
Baptista-Bastos (1987). Elegia para um Caixão
Vazio
(3ª ed.). Lisboa: Edições “O Jornal”. p. 126.
Lugares bem lidos: "O bairro onde cresceu Baptista-Bastos" - vídeo (DN, 14 de agosto de 2012)
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