terça-feira, 23 de abril de 2013

Baptista-Bastos

Elegia para um Caixão Vazio

[excerto]


       […]

       Percorri um caminho incalculável, um tempo de analogias e de conhecimentos, obedecendo, impotente, a leis naturais que me vão destruindo e degradando. Estou cansado de perseguir: notícias, mulheres, o êxito, a felicidade. Ambiciono uma agitação ordenada, saturei-me do alvoroço aflito, já pouquíssimas coisas me melindram, consegui curar-me de chagas e de remorsos, expulsei-me eu próprio do sonho. Reconheço-me por aquilo que fui realizando, seria difícil o contrário, mas tudo o que fiz parece-me inútil, um intolerável lugar-comum; e já perdi todas as disponibilidades: fui reduzido e reduzi-me. O grito, a imprecação, a viva-voz são mais contundentes, mas eficazes do que a palavra escrita. De aí, talvez, que as histórias contadas de geração para geração (a verdade coral, a oralidade) se tenham mantido mais vivas, mais coloridas do que a palavra escrita. Nunca consegui viver e reflectir com rigor e escrúpulo o que vi. Sempre existi num universo de ideias e de alegorias, e a realidade é-me implacavelmente fastidiosa. Mas houve tempo em que julguei ser impossível acreditar em outra gente, em outro local, em outro destino. É; eu sei, tudo isto é deprimente, inacabado até ao fim dos tempos, sem que nada me tenha notificado do prazo. Todavia, só disponho deste povo, deste país, destes hábitos, desta monotonia, deste corpo e desta consciência. Queira ou não, sou impelido a eles, a com eles convizinhar, eis o meu fado, a minha sina.

       […]


Baptista-Bastos (1987). Elegia para um Caixão Vazio
(3ª ed.). Lisboa: Edições “O Jornal”. p. 126.

 
 
Páginas Paralelas:

Lugares bem lidos: "O bairro onde cresceu Baptista-Bastos" - vídeo (DN, 14 de agosto de 2012)

Biografia de Baptista-Bastos. Disponível em Jornal deNegócios
 
Leia também as suas crónicas no Jornal de Negócios; “Agora, para aonde vamos?” (19 Abril de 2013)

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