segunda-feira, 30 de abril de 2012


Rob Riemen. “A classe dominante nunca será capaz de resolver a crise. Ela é a crise!”

Por Joana Azevedo Viana, publicado em 23 Abr 2012. [Versão integral da entrevista disponível aqui.]
O filósofo holandês esteve em Lisboa à conversa com o i sobre o espírito de resistência e o “eterno retorno do fascismo”
Thomas Mann e Franklin Roosevelt são dois dos homens que mais inspiram Rob Riemen, que esteve em Lisboa na semana passada a convite de Mário Soares para falar sobre o direito à resistência e para apresentar o seu último livro, “Eterno Retorno do Fascismo”. A chegada da fotojornalista ao lobby do Ritz acabou por dar o mote à conversa com o i.

A Patrícia foi uma das fotojornalistas em trabalho agredida pela polícia na greve geral de há um mês em Portugal.
Pela polícia?!

Sim. O episódio parece remeter para o “Eterno Retorno do Fascismo”...
Sim, falo disso neste livro. Estamos a lidar com o pânico da classe dominante, que se habitua ao poder para controlar a sociedade. Isso que me contas é um acto de pânico. E o interessante é que a classe dominante só entra em pânico quando perde a autoridade moral. Sem a autoridade moral, só lhe resta o poder que se transforma em violência.

O fascismo continua latente?
A minha geração cresceu convencida de que o que os nossos pais viveram nunca voltaria a acontecer na Europa. Quando vocês se livraram do fascismo nos anos 70, nos anos 90 devem ter pensado que não mais o viveriam. Mas uma geração depois, já estamos a assistir a uma espécie de regime fascista na Hungria, na Holanda o meu governo foi sequestrado pelos fascistas, pelo sr. [Geert] Wilders [do Partido da Liberdade]... Com uma nota comum a todos que é o ódio à Europa. Para Wilders, o grande inimigo era o Islão e agora são os países de alho.

Países de alho?
É o que ele chama a países como o vosso, Espanha, Polónia... A Europa tornou--se uma ameaça. Com a II Guerra Mundial aprendemos a lição de que a única saída, depois de séculos de sangue derramado, era ter uma Europa unida e agora as forças contra [essa união] estão a ganhar controlo. É o primeiro ponto. continuar a ler

Rob Riemen
Fonte: 
Joana Azevedo Viana (2012, 23 Abr.). «Rob Riemen "A classe dominante nunca será capaz de resolver a crise. Ela é a crise!"». Disponível em: http://www.ionline.pt/mundo/rob-riemen-classe-dominante-nunca-sera-capaz-resolver-crise-ela-crise-1.



sexta-feira, 27 de abril de 2012


 
A Galinha dos Ovos de Ouro
Esopo (620-560 a.c.)

Certa manhã, um fazendeiro descobriu que sua galinha tinha posto um ovo de ouro. Apanhou o ovo, correu para casa, mostrou-o à mulher, dizendo:
- Veja! Estamos ricos!
Levou o ovo ao mercado e vendeu-o por bom preço.
Na manhã seguinte, a galinha tinha posto outro ovo de ouro, que o fazendeiro vendeu a melhor preço. E assim aconteceu durante muitos dias. Mas, quanto mais rico ficava o fazendeiro, mais dinheiro queria. E pensou:
‘Se esta galinha põe ovos de ouro, dentro dela deve haver um tesouro!’
Matou a galinha e, por dentro nada encontrou. Era igual a qualquer outra galinha.”

Moral da História: Quem tudo quer, tudo perde.

Esopo. A Galinha dos Ovos de Ouro. Disponível no Blog Isso eu não sabia, em 20.04.2012, http://issoeunaosabia.wordpress.com/2012/03/23/a-galinha-dos-ovos-de-ouro/.
Páginas Paralelas:
Fábulas de Esopo:
Sobre outras "fábulas" de galinhas de ovos de ouro, veja:
André L. Soares (2012). Nunca o mundo teve tantos imbecis no poder, ao mesmo tempo! Blog Doce Fel
Eric Beauchemin (13.10.2010). Microcrédito: Não há galinha dos ovos de ouro. RNW Brasil.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Os Vampiros
No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas Pela noite calada
Vêm em bandos Com pés veludo
Chupar o sangue Fresco da manada
Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia As portas à chegada
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada  
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada  
A toda a parte Chegam os vampiros
Poisam nos prédios Poisam nas calçadas
Trazem no ventre Despojos antigos
Mas nada os prende Às vidas acabadas
São os mordomos Do universo todo
Senhores à força Mandadores sem lei
Enchem as tulhas Bebem vinho novo
Dançam a ronda No pinhal do rei
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada [Bis]
No chão do medo Tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos Na noite abafada
Jazem nos fossos Vítimas dum credo
E não se esgota O sangue da manada
Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia As portas à chegada
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada  
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada  
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada [Bis]
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada [Bis]

Recorde esta versão original (1963).

Pode também visionar a versão do último concerto de Zeca Afonso, no Coliseu (29. 01.1983):

terça-feira, 24 de abril de 2012

O CORVO
Edgar Allan Poe
Tradução de Fernando Pessoa

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais.
            É só isso e nada mais.»

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
            Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
            É só isso e nada mais».

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi...» E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
            Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais —
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
            Isto só e nada mais.

Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
«Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.»
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
            «É o vento, e nada mais.»

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
            Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.»
            Disse-me o corvo, «Nunca mais».

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
            Com o nome «Nunca mais».

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos — mortais
Todos — todos lá se foram. Amanhã também te vais».
            Disse o corvo, «Nunca mais».

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
«Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
            Era este «Nunca mais».

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
            Com aquele «Nunca mais».

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
            Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
«Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!»
            Disse o corvo, «Nunca mais».

«Profeta», disse eu, «profeta — ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!»
            Disse o corvo, «Nunca mais».

«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!”
            Disse o corvo, «Nunca mais».

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais,
E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,
            Libertar-se-á... nunca mais!

Disponível em http://www2.dem.ist.utl.pt/~jsantos/Literature/O_Corvo.html
Páginas Paralelas:
Aqui pode encontrar a biografia, contos e poemas de Edgar Allan Poe.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Semana dedicada a bichos e outros animais
Jacques Prévert. Os primeiros burros. In Jacques Prévert (s/d). Histórias para meninos sem juízo. (Pedro Tamen, Trad.). Lisboa: Teorema. pp. 79-91. (publicado pela primeira vez em  1947)
“Os Primeiros Burros”
Jacques Prévert
Dantes os burros eram completamente selvagens, isto é, comiam quando tinham fome, bebiam quando tinham sede e corriam pela erva quando isso lhes apetecia.
Às vezes vinha um leão que comia um burro, e logo todos os outros burros desatavam a fugir gritando como burros, mas no dia seguinte já não pensavam mais nisso e recomeçavam a zurrar, a beber, a comer, a correr, a dormir… Em suma, excepto nos dias em que aparecia um leão, tudo corria bastante bem.
Um dia, os reis da criação (é o nome que os homens gostam de dar a si mesmos) chegaram à terra dos burros, e os burros, muito contentes por verem caras novas, galoparam ao encontro dos homens.
Os burros (falando enquanto galopam): “São uns animais engraçados, pálidos, andam com duas patas, têm orelhas muito pequenas, não são muito bonitos mas temos de lhes proporcionar uma recepçãozita… é o mínimo que podemos fazer…”
E os burros põem-se a fazer graças, rebolam pela erva agitando as patas, cantam a canção dos burros, e depois, engraçadíssimo, começam a dar uns empurrõezinhos nos homens para os fazerem cair no chão; mas o homem não gosta muito de brincadeiras quando não é ele a brincar, e ainda não passaram cinco minutos desde que os reis da criação chegaram à terra dos burros e já todos os burros estão amarrados como salpicões.
Todos menos o mais novo, o mais tenro, que é morto e assado no espeto, com todos os homens à sua volta de faca na mão. Quando o burro já está bem passado, os homens começam a comer e fazem uma careta de mau humor, atirando depois com as facas para o chão.
Um dos homens (falando sozinho): “Não tem comparação com a vaca, não tem comparação com a vaca!”
Outro: “Não presta, gosto mais de carneiro!”
Outro: “Ai que mau que é” (chora).
E os burros presos, vendo o homem a chorar, pensam que é o remorso que lhe puxa as lágrimas.
“Vão deixar-nos ir embora”, pensam os burros, mas os homens levantam-se e começam a falar todos ao mesmo tempo com grandes gestos.
Coro de homens: “Estes animais não servem para comer, dão gritos desagradáveis, têm orelhas ridículas e compridas, são de certeza estúpidos e não sabem ler nem contar; vamos chamar-lhes burros porque tal nos agrada, e serão eles a transportar os nossos embrulhos.
“Nós é que somos os reis. Em frente!”
E os homens levaram os burros.

capa: Étienne Delessert

Páginas Paralelas:
Biographie et poèmes de Jacques Prévert
“"Quand je ne serai plus, ils n'ont pas fini de déconner. Ils me connaîtront mieux que moi-même"

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Time Magazine, "10 Questions for Chris Kyle"

You've written a book, American Sniper. Are special-operations guys usually so public?
It's kind of frowned on. But I'm not trying to glorify myself. I didn't want to put the number of kills I had in there. I wanted to get it out about the sacrifices military families have to make.
That number is there though. You have purportedly the highest of any American — 160 "confirmed sniper kills." What does that mean?
When you take a shot and the guy goes down, you have to have witnesses verify that he is dead. We'd fill out an assessment of what happened — the time, the place, the caliber used, the distance, what he was doing, what he was wearing.
What goes through your mind when you kill someone?
The first time, you're not even sure you can do it. But I'm not over there looking at these people as people. I'm not wondering if he has a family. I'm just trying to keep my guys safe. Every time I kill someone, he can't plant an IED. You don't think twice about it.


Leia mais neste endereço: http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,2103753,00.html#ixzz1sDd9jX3L