sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Viagens
Marco Polo
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A cidade de Zaitun.
            Ora sabei que quando se parte de Fugiu e se passa o rio e se continua durante cinco jornadas em direcção a sudeste, continua-se a encontrar muitos castelos e cidades, onde há muita abundância de todas as coisas. Há montes, vales e planícies, bosques e muitas árvores que produzem a cânfora; e há pássaros e muitos animais. Vivem do comércio e das artes; são idólatras como os referidos mais acima. Ao fim das cinco jornadas, encontra-se uma cidade chamada Zaitun, muito grande e nobre. Aqui é o porto onde chegam todos os barcos da Índia com muitas mercadorias de pedras preciosas e outras coisas, como de pérolas grandes e boas. Este é o porto dos mercadores do Mangi, e em redor deste porto existem tantos barcos de mercadores que é uma beleza; e desta cidade vão depois para toda a província do Mangi. Por um barco carregado de pimenta, que vem de Alexandria para vir para a Cristandade, chegam a esta cidade cinquenta, porque este é um dos bons portos do mundo onde chega mais mercadoria.
            Sabei que o Grande Cã tira grande rendimento deste porto, porque de todas as coisas que aí chegam é obrigatório ter dez por cento, isto é, uma de cada dez partes de todas as coisas. Os barcos levam, pelo frete marítimo do comércio miúdo, trinta por cento, pelo da pimenta quarenta e quatro por cento, pelo comércio da madeira aloés e do sândalo e de outras mercadorias grandes, quarenta por cento; de maneira que os mercadores pagam para os barcos e para o Grande Cã, a metade de todas as coisas. Porém, o Grande Cã ganha uma grande fortuna nesta cidade.
            São adoradores de ídolos. A terra tem, em abundância, tudo o que é necessário para viver. Nesta província há uma cidade chamada Tiungiu, onde se fazem os mais belos pratos de porcelana do mundo; não se fazem em qualquer outro lugar do mundo, razão por que se levam para toda a parte. Por um grosso veneziano compram-se três, os mais belos e diversos do mundo.
            Acabámos de falar de três reinos do Mangi, isto é, Janciu, Chinsai e Fugiu; dos outros reinos não falo, porque seria longo trabalho. Mas falarei da Índia, onde existem coisas lindíssimas para recordar e eu, Marco Polo, estive aí tanto tempo que as saberei contar ordenadamente.

Marco Polo (2006). Viagens. Lisboa: Assírio & Alvim. pp. 150-151.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012


Algumas figuras do Portugal do século XX “desfilam”, desde a passada terça-feira, na nova estação de Metro do Aeroporto.
A responsabilidade é do cartoonista António, a quem o Metropolitano de Lisboa encomendou a decoração artística da nova estação.
Para a caricatura, este é sem dúvida um momento empolgante. Muitos artistas a usaram em trabalhos decorativos, numa vertente quase sempre efémera, mas é a primeira vez que ela ocupa um lugar de destaque num espaço público, com esta dimensão e de carácter permanente.
Consciente da importância deste momento, o Museu Bordalo Pinheiro considerou oportuno associar-se expondo, a partir do próximo dia 27, alguns dos estudos que o autor desenvolveu para chegar às representações definitivas que uma vez passadas à pedra deram lugar aos painéis, agora distribuídos pelo novo espaço.
Para além dos estudos de António, são também apresentados na Exposição um conjunto de fotografias que documentam os vários momentos técnicos da execução dos painéis, ou seja, todo o processo técnico que se seguiu ao processo criativo.
Por fim, são apresentados também alguns documentos utilizados neste trabalho. São fontes de inspiração a que o artista recorreu, que compreendem um conjunto diverso de suportes gráficos e permitem uma melhor percepção de todo o itinerário feito pelo caricaturista.
Disponível no site do museu: http://museubordalopinheiro.pt/0402.htm

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Viagem à roda do meu quarto
Xavier de Maistre

Capítulo I
Como é glorioso iniciar uma nova carreira, e aparecer subitamente no mundo culto, com um livro de descobertas na mão, tal um cometa inesperado que fulge no espaço!
     Não, não mais guardarei o meu livro in petto; ei-lo, senhores, leiam-no. Iniciei e terminei uma viagem de quarenta e dois dias à roda do meu quarto. As observações interessantes que recolhi e o prazer contínuo que experimentei ao longo do caminho fizeram com que desejasse torná-la pública; a certeza de ser útil conduziu-me a esta decisão. […]

Capítulo  IV
O meu quarto situa-se a quarenta e cinco graus de latitude, segundo as medições do padre Beccaria; está orientado na direcção levante-poente; forma um quadrilongo de trinta e seis passos em volta, bem rentes à parede. A minha viagem, todavia, comportará mais, pois irei atravessá-lo muitas vezes dum lado para o outro, ou então diagonalmente, sem seguir regra ou método. – Farei mesmo ziguezagues e todas as linhas possíveis em geometria, se necessidade houver. Não gosto das pessoas que são muito donas dos seus passos e das suas ideias, e que dizem: “Hoje vou fazer três visitas, escrever quatro cartas, acabar esta tarefa que comecei.” – A minha alma está largamente aberta a toda a espécie de ideias, de gostos e sentimentos; recebe muito avidamente tudo quanto se lhe apresente!... – E porque recusaria ela os prazeres espalhados ao longo do difícil caminho da vida? São tão raros, tão dispersos, que era preciso ser-se louco para não parar, desviar até o caminho para recolher todos os que estão ao nosso alcance. Em minha opinião, não há nenhum mais atraente do que andar no encalço das próprias ideias, tal como o caçador persegue a caça, sem procurar manter um dado caminho. Além disso, quando viajo no meu quarto, raramente percorro uma linha recta: vou da mesa até junto dum quadro que se encontra colocado num canto; daí parto obliquamente até à porta; mas embora ao partir a minha intenção seja a de me dirigir para ali, caso encontre a poltrona no caminho não faço cerimónia e instalo-me nela imediatamente. – Uma poltrona é um excelente móvel; sobretudo da maior utilidade para qualquer homem meditativo. […]

Capítulo XXVII
As estampas e os quadros de que acabo de falar somem-se e desaparecem ao primeiro olhar que lançamos sobre o quadro seguinte: as obras imortais de Rafael, de Corrège e de toda a escola italiana não suportariam o paralelo. Por isso o guardo sempre para o fim, como peça de reserva, quando ofereço a alguns curiosos o prazer de viajarem comigo; e posso garantir que, depois de mostrar este quadro sublime aos conhecedores e aos ignorantes, à sociedade, aos artesãos, às mulheres e às crianças, e até aos animais, vi sempre qualquer um dos espectadores manifestar, cada qual à sua maneira, sinais de prazer e espanto: tão admiravelmente ali está representada a natureza!
     Ah! que quadro vos poderíamos apresentar, senhores, que espectáculo poderíamos oferecer aos vossos olhos, senhoras, mais seguro de merecer o vosso sufrágio do que a representação fiel de vós próprios? O quadro de que vos falo consiste num espelho, e até agora ninguém ousou criticá-lo; para todos quantos o miram, é um quadro perfeito a que nada há a opor.
     […]
     Este privilégio tinha-me feito desejar a invenção de um espelho moral, onde todos os homens pudessem ver-se com os seus vícios e virtudes. Sonhava mesmo propor a qualquer academia um prémio para tal descoberta, quando reflexões mais maduras me demonstraram a sua inutilidade.
     Ai! é tão raro que a fealdade se reconheça e quebre o espelho! Em vão os espelhos se multiplicam à nossa volta e reflectem com geométrica exactidão a luz e a verdade; no momento em que os raios penetram o nosso olho e nos mostram tal como somos, o amor-próprio introduz o seu prisma enganador entre nós e a nossa imagem, e apresenta-nos uma divindade.
     […]
Xavier de Maistre (2002). Viagem à Roda do meu Quarto seguido de O Leproso da Cidade de Aosta. (Célia Henriques Trad.). Lisboa: & etc. pp. 19/25-26/71-72. [Viagem à Roda do meu Quarto foi publicado pela primeira vez em 1795]

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Almeida Garrett, Excerto de "Viagens na Minha Terra"

De como o autor deste erudito livro se resolveu a viajar na sua terra, depois de ter  viajado no seu quarto; e como resolveu imortalizar-se escrevendo estas suas viagens. — Parte para Santarém. — Chega ao Terreiro do Paço, embarca no vapor de Vila Nova; e o que aí Ihe sucede. — A Dedução Cronológica e a Baixa de Lisboa. — Lord Byron e um bom charuto[...]

     Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de Inverno, em Turim, que é quase tão frio como Sampetersburgo entende-se. Mas com este clima, com este ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que aqui escrevesse, ao menos ia até ao quintal.
     Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de Estio, viajo até à minha janela para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me enganar com uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosa infância nos entulhos do Cais do Sodré. E nunca escrevi estas minhas viagens nem as suas impressões: pois tinham muito que ver! Foi sempre ambiciosa a minha pena: pobre e soberba, quer assunto mais largo. Pois hei-de dar-lho. Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há-de fazer crónica.
     Era uma ideia vaga, mais desejo que tenção, que eu tinha há muito de ir conhecer as ricas várzeas desse Ribatejo, e saudar em seu alto cume a mais histórica e monumental das nossas vilas. Abalam-me as instâncias de um amigo, decidem-me as tonterias de um jornal, que por mexeriquice quis encabeçarem desígnio político determinado a minha visita.
     Pois por isso mesmo vou: — pronunciei-me.
     São 17 deste mês de Julho, ano de graça de 1843, uma segunda-eira, dia sem nota e de boa estreia. Seis horas da manhã a dar em S. Paulo, e eu a caminhar para o Terreiro do Paço. Chego muito a horas, envergonhei os mais madrugadores dos meus companheiros de viagem, que todos se prezam de mais matutinos homens que eu. Já vou quase no fim da praça, quando oiço o rodar grave mas pressuroso de uma carroça d’ancien régime: é o nosso chefe e comandante, o capitão da empresa, o Sr. C. da T. que chega em estado. Também são chegados os outros companheiros: o sino dá o último rebate. Partimos.
     Numa regata de vapores o nosso barco não ganhava decerto o prémio. E se, no andar do progresso, se chegarem a instituir alguns ístmicos ou olímpicos para este género de carreiras — e, se para elas houver algum Píndaro ansioso de correr, em estrofes e antístrofes e epodos atrás do vencedor que vai coroar de seus hinos imortais — não cabe nem um triste minguado epodo a este cansado corredor de Vila Nova. É um barco sério e sisudo que se não mete nessas andanças.
     Assim vamos de todo o nosso vagar contemplando este majestoso e pitoresco anfiteatro de Lisboa oriental, que é, vista de fora, a mais bela e grandiosa parte da cidade, a mais característica, e onde, aqui e ali, algumas raras feições se percebem, ou mais exactamente se adivinham, da nossa velha e boa Lisboa das crónicas. Da Fundição para baixo tudo é prosaico e burguês, chato, vulgar e sensabor como um período da Dedução Cronológica, aqui e ali assoprado numa tentativa ao grandioso do mau gosto como alguma oitava menos rasteira do Oriente.
     Assim o povo, que tem sempre melhor gosto e mais puro do que essa escuma descorada que anda ao de cima das populações, e que se chama a si mesma por excelência a Sociedade, os seus passeios favoritos são a Madre de Deus e o Beato e Xabregas e Marvila e as hortas de Chelas. A um lado a imensa majestade do Tejo em sua maior extensão e poder, que ali mais parece um pequeno mar mediterrâneo; do outro a frescura das hortas e a sombra das árvores, palácios, mosteiros, sítios consagrados todos a recordações grandes ou queridas. Que outra saída tem Lisboa que se compare em beleza com esta? Tirado Belém, nenhuma. E ainda assim, Belém é mais árido.
     Já saudámos Alhandra, a toireira; Vila Franca, a que foi de Xira, e depois da Restauração, e depois outra vez de Xira, quando a tal restauração caiu, como a todas as restaurações sempre sucede e há-de suceder, em ódio e execração tal que nem uma pobre vila a quis para sobrenome.
     — «A questão não era de restaurar nem de não restaurar, mas de se livrar a gente de um governo de patuscos, que é o mais odioso e engulhoso dos governos possíveis.»
     É a reflexão com que um dos nossos companheiros de viagem acudiu ao princípio de ponderação que eu ia involuntariamente fazendo a respeito de Vila Franca.
     Mas eu não tenho ódio nenhum a Vila Franca, nem a esse famoso círio que lá foi fazer a velha monarquia. Era uma coisa que estava na ordem das coisas, e que por força havia de suceder. Este necessário e inevitável reviramento por que vai passando o mundo, há-de levar muito tempo, há-de ser contrastado por muita reacção antes de completar-se...
     No entretanto vamos acender os nossos charutos, e deixemos os precintos aristocráticos da ré: à proa, que é país de cigarro livre.
     Não me lembra que lord Byron celebrasse nunca o prazer de fumar a bordo. É notável esquecimento no poeta mais embarcadiço, mais marujo que ainda houve, e que até cantou o enjoo, a mais prosaica e nauseante das misérias da vida! Pois num dia destes, sentir na face e nos cabelos a brisa refrigerante que passou por cima da água, enquanto se aspiram molemente as narcóticas exalações de um bom cigarro da Havana, é uma das poucas coisas sinceramente boas que há neste mundo.
     Fumemos!
[...]
Pode continuar a ler neste endereço.
Páginas paralelas:

Propomos agora que conheça as "VIAGENS NA TERRA DELES", um blog de Hélder Beja.

Pode ainda embarcar noutras VIAGENS no Nº 4 da Revista BLIMUNDA (Setembro de 2012), publicada pela Fundação José Saramago.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Odisseia
Homero
RAPSÓDIA XII
Sereias, Cila, Caribdes e Vacas do Sol
[Excerto]
Logo que a nau, depois der deixar a corrente do rio Oceano, chegou às ondas do mar de vastos rumos e à ilha de Eeia, onde a madrugadora Aurora tem a sua habitação com os seus coros e o Sol enceta o seu curso, nós aportámos sobre a areia, saímos para fora na ressaca e deitámo-nos a dormir, à espera da Aurora divina. Quando apareceu a madrugadora Aurora de róseos dedos, eu enviei os meus companheiros ao palácio de Circe, em busca do cadáver de Elpenor. Em seguida, depois de cortar pedaços de madeira, queimámo-lo, onde a costa se eleva mais, ao mesmo tempo que derramávamos, entristecidos, copiosas lágrimas. Apenas o cadáver tinha sido queimado com as armas do defunto, erigimos-lhe um túmulo com uma estela sobreposta, no cimo da qual pusemos um remo de fácil manejo.
        Enquanto nos ocupávamos destas coisas, Circe, que não desconhecia a nossa chegada do Hades, apressou-se a vir trazer-nos, em companhia das suas criadas, pão, grande abundância de carne e rutilante vinho tinto. A deusa preclara, de pé, no meio de nós, disse:
        – Infelizes, que em vida baixastes à casa de Hades! Vós morrestes duas vezes, ao passo que os outros homens morrem apenas uma. Mas tomai alimento e bebei vinho, durante este dia, enquanto aqui estais. Depois, amanhã com o despontar da alva fareis viagem. Eu mostrar-vos-ei o caminho e darei todas as indicações, para que não venhais a sofrer trabalhos no mar ou na terra, por alguma funesta cilada.
        Isto disse ela; e o nosso ânimo deixou-se persuadir. Assim, pois, durante todo o dia, até ao pôr do Sol, estivemos assentados a banquetear-nos com a grande abundância de carne e com vinho saboroso; mas, logo que se pôs o Sol e a noite sobreveio, os meus companheiros deitaram-se junto das amarras da nau. A deusa, porém, tomando-me pela mão, fez-me assentar longe deles e, reclinada à minha beira, interrogou-me sobre a viagem; e eu respondi-lhe, como convinha. A veneranda Circe disse-me, então, estas palavras:
        – Foi, portanto, assim que se realizou essa viagem. Agora escuta o que te vou dizer e que um deus há-de recordar-te, um dia.
        Encontrarás, primeiro, as Sereias, que encantam a todos os homens que se aproximam delas. Aquele que, sem saber, for ao seu encontro e lhes ouvir a voz, esse não voltará a casa, nem a mulher e os inocentes filhos o rodearão, alegres; mas será encantado pelo seu canto sonoro. Elas estão assentadas num prado, junto de um grande monte de ossos de homens em putrefacção, cujas carnes vão desaparecendo. Passa de lado e tapa os ouvidos dos teus companheiros com cera amolecida, para que nenhum deles as oiça. Tu ouve-as, se quiseres, depois de te prenderem os pés e as mãos, erecto, junto ao mastro, e de teres sido ligado com cordas a ele, para que te possas deleitar com a voz das Sereias. Se, porém, pedires e ordenares aos companheiros que te soltem, prendam-te, então, com mais ligaduras ainda.
        Depois de teres passado pelas Sereias, não te direi com clareza qual de dois caminhos deverás seguir; decide isso tu próprio no teu coração, que eu só quero falar-te a respeito de um e doutro. […]
Homero  (1964). Odisseia (6ª Ed.). (E. Dias Palmeira e M. Alves Correia, Trad. do grego). Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora. pp. 167-168.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O Barco Bêbado
Jean-Arthur Rimbaud
[excerto]


Mais doce que à criança as ácidas maçãs,
De água verde se inundava o meu casco de pinho
E nódoas de vinho azuis e vomições malsãs
Me lavou levando, âncora e leme, de caminho.

E desde logo fui banhado dentro deste Poema
De Mar infuso em estrelas, e tão latescente,
Devorador da imensa lazulita verde; onde, suprema,
Flutua uma afogada forma, às vezes descendente.



                                               Plus douce qu’aux enfants la chair des pommes sûres
                                               L’eau verte penetra ma coque de sapin
Et des taches de vins bleus et des vomissures
Me lava, dispersant gouvernail et grappin.

Et dès lors, je me suis baigné dans le Poème
De la Mer, infusé d’astres, et lactescent,
Dévorant les azurs verts; où, flottaison blême
Et ravie, un noyé pensif parfois descend.



Jean-Arthur Rimbaud (1985), O Braco Bêbado / Le Bateau Ivre. (Edição Bilingue; Pedro José Leal, Tad.). Lisboa, Hiena Editora. s/p.
Leia todo o poema em francês e conheça mais sobre este autor.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Nau Catrineta
(Lenda recolhida  por Almeida Garrett)

Lá vem a nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide, agora, senhores,
Uma história de pasmar.

Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.

Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija
Que a não puderam tragar.

Deitaram sorte à ventura
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.

Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal.

"Não vejo terras de Espanha,
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar".

Acima, acima gajeiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal

"Alvíssaras, capitão,
Meu capitão general!
Já vejo terra de Espanha,
Areias de Portugal.

Mais enxergo três meninas
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar".

--Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar.

"A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar".
-- Dar-te-ei tanto dinheiro,
Que o não possas contar.

"Não quero o vosso dinheiro,
pois vos custou a ganhar!
-- Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual.

"Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar".
--Dar-te-ei a nau Catrineta
Para nela navegar.

"Não quero a nau Catrineta
Que a não sei governar".
Que queres tu, meu gajeiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?
"Capitão, quero a tua alma
Para comigo a levar".

Renego de ti, demónio,
Que me estavas a atentar!
A minha alma é só de Deus,
O corpo dou eu ao mar.

Tomou-o um anjo nos braços,
Não o deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;
E à noite a nau Catrineta
Estava em terra a varar.

Disponível em http://web.educom.pt/~pr2003/2000/decc/lendas/nau_catrineta.htm

Página paralela:
Fausto, A Nau Catrineta, do álbum “Histórias de Viageiros” (1979).

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O barco vai de saída
Fausto

O barco vai de saída
Adeus ao cais de Alfama
Se agora ou de partida
Levo-te comigo ó cana verde
Lembra-te de mim ó meu amor
Lembra-te de mim nesta aventura
P'ra lá da loucura
P'ra lá do Equador

Ah mas que ingrata ventura
Bem me posso queixar
da Pátria a pouca fartura
Cheia de mágoas ai quebra-mar
Com tantos perigos ai minha vida
Com tantos medos e sobressaltos
Que eu já vou aos saltos
Que eu vou de fugida

Sem contar essa história escondida
Por servir de criado essa senhora
Serviu-se ela também tão sedutora
Foi pecado
Foi pecado
E foi pecado sim senhor
Que vida boa era a de Lisboa


Gingão de roda batida
corsário sem cruzado
ao som do baile mandado
em terra de pimenta e maravilha
com sonhos de prata e fantasia
com sonhos da cor do arco-íris
desvaira se os vires
desvairas magias

Já tenho a vela enfunada
marrano sem vergonha
judeu sem coisa nem fronha
vou de viagem ai que largada
só vejo cores ai que alegria
só vejo piratas e tesouros
são pratas, são ouros,
são noites, são dias

Vou no espantoso trono das águas
vou no tremendo assopro dos ventos
vou por cima dos meus pensamentos
arrepia
arrepia
e arrepia sim senhor
que vida boa era a de Lisboa


O mar das águas ardendo
o delírio do céu
a fúria do barlavento
arreia a vela e vai marujo ao leme
vira o barco e cai marujo ao mar
vira o barco na curva da morte
e olha a minha sorte
e olha o meu azar

e depois do barco virado
grandes urros e gritos
na salvação dos aflitos
estala, mata, agarra, ai quem me ajuda
reza, implora, escapa, ai que pagode
rezam tremem heróis e eunucos
são mouros são turcos
são mouros acode!

Aquilo é uma tempestade medonha
aquilo vai p'ra lá do que é eterno
aquilo era o retrato do inferno
vai ao fundo
vai ao fundo
e vai ao fundo sim senhor
que vida boa era a de Lisboa

In “Por este rio acima” (1982). Disponível em http://natura.di.uminho.pt/~jj/musica/html/fausto-barcoVaiDeSaida.html.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Aventuras e Desventuras de um Abiador na Lusolândia
de José A. Teixeira

Aproveitamos para divulgar mais uma obra da autoria de um aluno do Instituto Politécnico de Beja, do curso de Turismo, também ela ligada às viagens…

Trata-se de Aventuras e Desventuras de um Abiador na Lusolândia, de José A. Teixeira, lançado no passado dia 8 de setembro, em Lisboa.


A crónica confere ao autor a ligeireza e o à-vontade da comunicação.
Neste livro são narrados de forma despretensiosa algumas das histórias que o autor vivenciou durante mais de trinta anos como Controlador de Tráfego Aéreo. No meio do stress diário que compõe esta profissão, existe o imprevisto, o sentido do dever e também a componente da nossa vida que não podemos esquecer: a boa disposição. Uma profissão tão exigente também pode ser um foco de histórias e desacertos. Nos tempos difíceis que correm, um sorriso ainda relaxa os músculos da face e contribui para diminuir o stress, melhora a circulação sanguínea e ajuda a sacudir o tédio.
Os portugueses, os americanos, os egípcios, os marroquinos, todos diferentes e juntos nas mesmas histórias, dão um tom colorido a este mundo cada vez mais cinzento.
Texto disponível no site da Editora.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A propósito de outras viagens...

Frédéric Kelzank Ravach foi aluno do Instituto Politécnico de Beja onde se licenciou em Artes Plásticas e Multimédia, tendo prosseguido os seus estudos de Animação na Bélgica.

Agora vem propor-vos a participação na sua primeira curta-metragem, pelo processo de crowdfunding de que já aqui falámos.

Colabore! Veja como...

Kelzang présente

Shua

SHUA, the boy who was never born, est le premier court-métrage écrit et réalisé par Kelzang Ravach. Shua est un petit garçon de 7 ans qui gambade dans les rues d’une grande métropole, il s’imagine orchestrer la ville, les portes automatiques, les escaliers roulants, les ascenseurs , mais voila qu’un jour, un train prend son envol devant ses yeux! Le petit garçon est entrainé dans un voyage sans dessus-dessous, au coeur d’un monde aux antipodes du sien. Il va y rencontrer une ribambelle de personnages loufoques et se trouvera confronté au paradoxe, à l’absurde et à l’étrange…


Páginas paralelas:

Organic Machine (trailer) - filme realizado por Kelzang Ravach, como trabalho de fim de curso no IPBeja

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O MOSTRENGO

Fernando Pessoa


O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-rei D. João Segundo!»


Fernando Pessoa (1967). Mensagem (8ª Ed.). Lisboa: Edições Ática. pp. 62-63.
Páginas paralelas:
O Mostrengo - Fernando Pessoa, na voz de Paulo Autran


João Villaret recita "O Mostrengo" de Fernando Pessoa

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O INFANTE
Fernando Pessoa

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando em espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
 E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!


Fernando Pessoa (1967). Mensagem (8ª Ed.). Lisboa: Edições Ática. p. 57.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Os Lusíadas
Luís de Camões




Imagem da primeira página do Canto I de Os Lusíadas,
de Luís de Camões, disponível em http://purl.pt/1/1/P7.html
CAMOES,, Luís de,, 1524?-1580
Os Lusiadas / de Luis de Camões. - Lisboa : em casa de Antonio Gõçaluez,, 1572. - [2], 186 f. ; 4º (20 cm)
http://purl.pt/1

"Edição princeps conhecida por edição "Ee", distingue-se pela sétima estância da primeira estrofe "E entre gente remota edificarão". - Assin.: [ ]//2, A-Y//8, Z//10. - Na portada cabeça do pelicano voltada para a esquerda do observador. - Folha branca com notas manuscritas PTBN: CAM. 2 P.; CAM. 3 P.. - Encadernação da época de pergaminho, com falta dos atilhos PTBN: CAM. 4 P.. - Pert. na f. [2]: «T. NORTON» PTBN: CAM. 2 P.. - Nota manuscrita na folha de guarda: «Pertencia a livraria de D. Francisco Manuel de Mello»; na p. de tít.: «Manoel Lopes Teixr.ª»; na última f.: «D. Jer.mo Correa da Costa» PTBN: CAM. 4 P.. - Exemplar restaurado PTBN: CAM. 2 P.. - Anselmo 697. - D. Manuel 136. - Simões 116"
(Informação disponível na Ficha Bibliográfica da Biblioteca Nacional Digital <http://purl.pt/1/1/>)
Página paralela:

Visite a biblioteca nacional digital da Biblioteca Nacional de Portugal.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Bem vindos de novo à nossa companhia.

No rescaldo das férias, e continuando o tema da última semana, trazemos este mês mais alguns textos relacionados com viagens.



NAVEGAÇÃO

Distância da distância derivada
Aparição do mundo: a terra escorre
Pelos olhos que a vêem revelada.
E atrás um outro longe imenso morre.

Sophia de Mello Breyner Andresen (1991). Obra Poética I (2ª Ed.).
Lisboa: Editorial Caminho. p. 107.