sexta-feira, 12 de abril de 2013

Alexandre Herculano
O Bobo
[excerto]
[…]
Tal foi em substância a narração de Dom Bibas, que, fechando a porta, conduzira o monge e o rico-homem ao lado do aposento onde ele abrira entrada para o subterrâneo.
– Por aqui – dizia o bobo com um rir diabólico – é o caminho da salvação para vós, e para mim o de ver realizado o que será de ora avante o único pensamento da minha vida.
O Lidador ficou por algum tempo em silêncio, e por fim exclamou:
– Mas quem há-de salvar os meus bons e leais cavaleiros, que me aguardam?
– Eu – acudiu o bobo. – As portas do castelo ficam abertas, porque os vigias e roldas correm pelas barbacãs. Saí vós outros, e esperai-os à boca do subterrâneo. Dentro de poucas horas todos estarão convosco. Basta que me deis um sinal com que eu possa fazer que eles me obedeçam.
O Lidador pareceu assentir à proposição de Dom Bibas; porque, tirando da escarcela uma tàbuazinha coberta de cera, com um anel que tinha no dedo estampou nela o seu selo de camafeu e, entregando-a ao bobo, lhe disse:
– Vai, apresenta isto ao meu vílico, e serás obedecido em tudo.
– Falta ainda uma cousa! – continuou Dom Bibas. – Reverendo abade, vesti esse trajo de escudeiro que aí vedes, e deixai-me vossa cogula. Não sei o que me diz o coração… Talvez me seja necessária. Será esta a primeira recompensa do serviço que ora vos faço.
Fr. Hilarião hesitou; mas o terror das ameaças que o truão ouvira ao conde só lhe dava lugar a uma ideia: a de sair de Guimarães sem risco. Depois de cinquenta anos de vida monástica, pela primeira vez o monge trocava por trajos profanos o seu santo hábito.
Dom Bibas entregou a lanterna de furta-fogo aos dois amigos, que se internaram no subterrâneo. Tanto que desapareceram, ele abriu às apalpadelas a porta exterior da sua pocilga e, cosendo-se com o muro do pátio, atravessou a ponte levadiça e encaminhou-se para o bairro do senhor da Maia.
[…]

Herculano, Alexandre (1978). O Bobo.
Amadora: Livraria Bertrand. pp. 153-154.

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