(…) A verdadeira divindade do homem branco é o metal redondo e o papel forte a que ele chama dinheiro. Quando se fala a um Europeu do Deus do amor, ele faz uma careta e sorri. Sorri de tão ingénua maneira de pensar. Quando lhe estendem uma peça de metal redondo e brilhante ou um papel grande e forte, logo os seus olhos brilham e a saliva lhe assoma aos lábios. O dinheiro é o objecto do seu amor, o dinheiro é a sua divindade. Todos os homens brancos pensam nisso, até mesmo a dormir. Muitos há cujas mãos se tornam aduncas e semelhantes às patas da grande formiga dos bosques, à força de manejarem a todo o instante o metal e o papel. Muitos há cujos olhos se tornaram cegos à força de contarem o dinheiro. Muitos há que pelo dinheiro sacrificaram o riso, a honra, a consciência, a felicidade e até mesmo mulher e filhos. Quase todos eles sacrificam a saúde ao metal redondo e ao papel forte, isto é, ao dinheiro. Trazem-no dentro dos panos, dobrado e metido em duras peles.
(…)
É preciso notar que nas terras do homem branco é impossível viver sem dinheiro, uma só vez que seja, do nascer ao pôr do sol. Se não tiveres dinheiro nenhum, não poderás matar a fome nem mitigar a sede, não encontrarás esteira para a noite, serás lançado no fale pui pui [prisão] e falar-se á de ti em muitos e variados papéis [jornais]; tudo isto só por não teres dinheiro! Tens que pagar, isto é, tens que dar dinheiro pelo chão sobre o qual caminhas, pelo sítio onde se encontra a tua cabana, pela esteira onde passas a noite, pela luz que ilumina a tua cabana. Tens que pagar para teres direito a disparar sobre um pombo ou para banhares o teu corpo no rio. Sempre que queiras ir aos lugares onde os homens costumam folgar, onde eles cantam e dançam, ou sempre que queiras pedir um conselho ao teu irmão, terás que dar muito metal redondo e papel forte em troca. Por tudo tens que pagar. (…) Até para nasceres tens que pagar e quando morreres a tua aiga [família] tem que pagar pela tua morte, para poder depositar o teu corpo na terra e pela grande pedra que te põem sobre a tumba, em sinal de recordação.
Descobri uma única coisa pela qual se não pede ainda dinheiro na Europa, coisa que cada um pode fazer as vezes que quiser: respirar o ar. Julgo que terá ficado esquecido, mas não me admirava nada que, se as minhas palavras fossem ouvidas na Europa, não exigissem logo, por via disso, algum metal redondo e algum papel forte. Porque os Europeus estão sempre à cata de novos motivos para pedir dinheiro.
(…)
Todos nós, meus sábios irmãos, somos pobres. A nossa terra é a mais pobre à luz do sol. Não temos metal redondo e papel forte que cheguem para encher um baú. Segundo o modo de pensar do Papalagui [o Branco; o Senhor], somos uns pobres mendigos. E no entanto! quando vejo os vossos olhos e os comparo com os dos ricos aliis [amos], os deles parecem-me embaciados, mortiços e cansados, ao passo que os vossos irradiam, como a grande luz, alegria, força, vida e saúde. (…) Prezemos os nossos hábitos, que não permitem que um possua imenso e o outro nada, ou que um possua muito mais que o outro! E assim não nos tornaremos, em nosso coração, iguais ao Papalagui, que é capaz de se sentir feliz e contente mesmo quando, ao lado, o seu irmão está triste e infeliz.
Tuiavii de Tiavéa. (1989). O Papalagui. Lisboa: Antígona. pp. 41-49.*
* Esta obra contém os discursos do chefe de tribo Tuiavii de Tiavéa, da ilha de Upolu, na Samoa, destinados aos seus compatriotas e recolhidos pelo escritor alemão Erich Scheurmann (1878-1957), que viveu nesta comunidade por mais de um ano. O livro foi publicado pela primeira vez, na Alemanha, em 1920. Esta é uma tradução de Luiza Neto Jorge, a partir da versão francesa de Urs Dominique Sprenger.
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