terça-feira, 27 de setembro de 2011

Adriano Guerreiro e Manuel Ribeiro, "O Fim"


        Acordo. Onde estou? Nunca vi este sítio. Nunca estive neste sítio. O que é que se passou? Levanto-me. Sinto-me sem forças. Ainda assim, começo a andar. Procuro saber o que se passou. Ninguém. Não vejo ninguém. Há muita desarrumação. Papéis. Vejo papéis e pego num. Tento ler. Parecem papéis de hospital. Se calhar estou num hospital e estou doente. Vejo os sinais de <Saída> e sigo-os.


Saio. Na rua, não há ninguém. Não há vestígios de ninguém. Há muita desarrumação na rua e no meio disto tudo não há nada. Está tudo cinzento. Parece que ardeu tudo. Até o céu parece que ardeu. Não há vestígios de nada com vida. Caminho por este sítio. Saio deste sítio. Caminho por um caminho e sinto-me sem forças.
Paro. Sento-me. Descanso. Não há vestígios de nada. Sem forças levanto-me. Olho para trás e reparo que o sítio que deixei para trás é uma pequena vila em ruínas. O que é que se passou? Deixo a vila para trás e caminho em busca de água. Um ribeiro. Não há vestígios de nada com vida. De repente, pareceu-me ter visto algo verde. De pequeno tamanho mas, ainda assim, verde. Olho à volta à procura.

        
       Talvez tenha sido uma alucinação. Continuo à procura e, finalmente, encontro. Aproximo-me com curiosidade de saber o que seja. Reparo que é uma belíssima pequena flor. No meio de tudo isto sem nada existe esta pequena flor. Olho em volta em busca de mais alguma. Não há mais nenhuma. Olho novamente para a flor e confirmo se não será uma alucinação.
A flor está aqui comigo. Não há mais vestígios de nada com vida. Sento-me. Contemplo a flor. A sua beleza é divinal e a sua existência é um milagre. Aproximo-me da flor. É realmente bela. Penso que poderia passar aqui o resto dos meus poucos dias de vida. A flor dança para mim com o vento e ao som do vento. De certa forma, a flor parece que se ri para mim. Eu rio-me para ela. O vento cala-se e a dança acaba. Para agradecer à flor a sua dança, aproximo-me mais e tento beijá-la. Fecho os olhos e aproximo-me ainda mais.
Beijo-a. Sinto as suas pétalas nos meus lábios e sinto o seu perfume. Por segundos, aprecio a delicadeza do momento. Abro os olhos. Reparo que, entretanto, caiu uma pétala. Estupefacto com o acontecimento, afasto-me um pouco. Acreditando que a culpa fosse do vento e não minha, aproximo-me outra vez e tento mais um beijo. Desta vez, o toque da flor é mais intenso. De olhos fechados, sinto o toque de cada pétala nos meus lábios. Abro os meus olhos e, para meu espanto, vejo que caíram todas as pétalas, à excepção de uma.
Facas. Sinto que o meu beijo e a minha paixão mataram esta flor. Sinto facas a cortarem-me por dentro. Sinto facas a cortarem o momento e sinto que o toque do meu beijo foi como o golpe de uma destas facas que me rasgam. Frágil, a minha flor parece que tenta mais uma dança ao vento. Afasto-me um pouco e contemplo o momento. Mas depressa me apercebo que não há vento. Não há dança. A flor, cada vez mais inclinada, deixa cair a sua última pétala e acaba por cair no chão por cima de todas as suas pétalas. Com as facas a rasgarem-me cada vez mais, sinto-me quase morto. Sem forças enterro a flor e as pétalas com a esperança de que a flor nascerá outra vez para mim. E assim aqui fico. Aqui fico a olhar para o monte da terra. Aqui fico e com as minhas lágrimas rego a minha flor.
À tua espera, aqui ficarei…
Texto inédito de Adriano Guerreiro, com ilustrações de Manuel Ribeiro
Nota: Adriano Guerreiro e Manuel Ribeiro são alunos do 2º ano do curso de Artes Plásticas e Multimédia do IPBeja.

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