terça-feira, 1 de abril de 2014

Gonçalo M. Tavares

O RELÓGIO DA TORRE


Um homem bem vestido pára no meio da praça e levanta a cabeça. Com os movimentos de quem parece confirmar as horas pelo relógio gigante da praça central, o homem bem vestido vai acertando o seu relógio de pulso.
Olhamos agora para o relógio da praça central e vemos que ele está a ser arranjado: há vários homens em seu redor. E se esses homens parecem macacos que, em vez de se apoiarem em galhos, se apoiam em ponteiros metálicos gigantes, se por instantes parecem macacos, segundos depois parecem médicos em redor de um corpo qualquer que está a sucumbir e eles ― meio eléctricos e acelerados, outras vezes com uma calma que não se percebe ― ali estão, em redor daquele corpo em forma de círculo, tentando recuperar os batimentos do único coração que, de facto, faz falta.
De qualquer maneira, o homem lá em baixo continua à espera.



Gonçalo M. Tavares (2011). «O Relógio da Torre». In: Short Movies. Alfragide: Caminho, p. 143-144.

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