Nada do que existe
nos cai do céu na cabeça.
Nem a chuva, embora pareça:
até ela estava cá em baixo a existir
antes de ser chuva e cair!
Mais ou menos perfeito ou imperfeito,
tudo o que existe foi feito
e, antes de ser feito, desfeito.
Com água, luz e vento
a Terra se foi fazendo;
o distante Sol está ardendo
há milhões de anos e morrendo.
O lavrador deitou à terra a semente,
o operário fez a enxada e a charrua,
o cantor canta no palco, o actor actua,
o inventor inventa o inexistente.
Foi feita a cama,
feito o pijama,
com fogo e esforço
se fez o almoço.
Quem faz agora este alvoroço
toda a tarde a brincar e a correr
enchendo de alegria a casa inteira?
Oh, que é feito do tempo da brincadeira
em que não havia nada que fazer?
Manuel António Pina (2005) O Pássaro da Cabeça.
V. N. de Famalicão: Quasi Edições: s.p.; ilustrações de Joana Quental
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