segunda-feira, 27 de junho de 2011

Jorge Luís Borges, "Prólogo"

Ninguém pode estranhar que o primeiro dos elementos, o fogo, não abunde no livro de um homem de oitenta e muitos anos. Uma rainha, na hora da sua morte, diz que é fogo e ar; eu costumo sentir que sou terra, cansada terra. Continuo, no entanto, a escrever. Que outra sina me resta, que outra formosa sina me resta? A felicidade de escrever não se mede pelas virtudes ou fraquezas. Toda a obra humana é precária, afirma Carlyle, mas não o é a sua feitura.
         Não professo qualquer estética. Cada obra confia ao seu escritor a forma que procura: o verso, a prosa, o estilo barroco ou chão. As teorias podem ser admissíveis estímulos (recordemos Whitman) mas contudo podem engendrar monstros ou meras peças de museu. Lembremos o monólogo interior de Joyce ou o terrivelmente incómodo Polifemo.
         Com o correr dos anos, observei que a beleza, tal como a felicidade, é frequente. Não se passa um dia em que não estejamos, um instante, no paraíso. Não há poeta, por medíocre que seja, que não tenha escrito o melhor verso da literatura, mas também os mais infelizes. A beleza não é privilégio de uns quantos nomes ilustres. Seria muito estranho que este livro, que abarca umas quarenta composições, não encerrasse uma única linha secreta, digna de te acompanhar até ao fim.
         Neste livro há muitos sonhos. Declaro que foram dons da noite ou, mais precisamente, da madrugada, e não ficções deliberadas. Apenas me atrevi a acrescentar um ou outro rasgo circunstancial, dos que o nosso tempo exige, depois de Defoe.
         Dito este prólogo numa das minhas pátrias, Genebra.

J.L.B.
9 de Janeiro de 1985.
Jorge Luis Borges (1985). Os Conjurados. Lisboa: Difel. pp. 9-10.

Pode saber mais sobre Borges neste endereço e neste.

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