Estupefacto, quase rejuvenescido, o Padre olhava agora o Mar por detrás da enorme janela do farol. Sem palavras, porque não as havia naquele momento, limitou-se a levantar as mãos até embater no vidro, como se fosse tocar, agarrar, consumir o Mar. Olhou então para trás e viu Mortinho sorrindo, como se compreendesse perfeitamente aquela sensação. Deixou-se estar assim uns minutos e depois acordou:
̶ – Mortinho, a sua mãe pediu-me que viesse falar consigo.
̶ – Sim, eu sei, Padre.
̶ – Sabe? Como?
̶ – Provavelmente está preocupada porque já não vou à Aldeia…
̶ – Pois, é mais ou menos isso – disse o Padre, que ouvindo as últimas palavras de Mortinho, não conseguiu encontrar nada de estranho naquela situação.
̶ – É simples, Padre. Estou cá há dez meses e tinha pouco o que fazer, por isso ainda ia à Aldeia. Mas recebi no mês passado uma boa remessa de livros que tinha requisitado. Não há filmes bons na Aldeia e tenho aqui tudo o que preciso…
̶ – Tudo, meu filho?
̶ – Acha que não, Padre? – perguntou Adelaide Mortinho apontando para a sala, terminando na janela inundada de Mar. – Acha que isto não é tudo?
O Padre deu então outro olhar à sala. Na sua aparente desarrumação reinava uma certa ordem. De um lado, o monte de livros. Ao centro, a secretária com botões intermináveis e luzes incompreensíveis. Do outro lado, fitas de música e mais livros. E em redor do cilindro gigante que era aquele farol, uma janela, uma varanda e o respectivo Mar. Como que compreendendo o olhar do Padre, Adelaide Mortinho, o faroleiro, dirigiu-se lentamente para uma das portas laterais que davam para a varanda. «Venha, Padre.» Uma brisa fresca entrou pela sala, mas não se interessando por nada, voltou a sair. Com ela foram para a varanda o faroleiro e o Padre. Do alto do farol parecia dominar-se o Mar. Ou simplesmente, poder-se calcular e sentir o seu poder, a sua imensidão. Diante da beleza, da brisa, e levado pelas sensações que só o Mar sabe provocar, o Padre exclamou comovido:
̶– Isto pode ser tudo!
Adelaide Mortinho ouvia o Padre mas continuava a olhar o Mar. Era um olhar diferente do do Padre: olhar fraterno mas respeitador. Tinha o seu quê de companheirismo e de servidão ao mesmo tempo.
̶– Compreende, Padre, que eu não precise de ir à Aldeia?
Excerto do conto “O Padre, o Mar e o faroleiro” de Ondjaki
Ondjaki (2004). Momentos de Aqui (2ª edição). Lisboa: Editorial caminho. pp. 21-24.
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