segunda-feira, 4 de julho de 2011

Álvaro de Campos, "Ah a frescura na face de não cumprir um dever!"


Ah a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros.
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.
É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,
Deliberadamente à mesma hora...
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida!
Até não consigo acender o cigarro seguinte... Se é um gesto,
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.

Álvaro de Campos

Fernando Pessoa (1944). Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1944, 40 (imp. 1993). Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2543 (consultado a 27.06.2011)

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