quarta-feira, 8 de maio de 2013

Manuel António Pina, "Arte poética"

Vai pois, poema, procura
a voz literal
que desocultadamente fala
sob tanta literatura.

Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.

Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melancolia e de despeito.

E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?
Manuel António Pina (2011). "Arte poética".
In Poesia, saudade da prosa. Uma antologia pessoal.
Lisboa: Assírio & Alvim: p.7

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