Ser hospedeira de bordo no Dubai | Maria Lopes
A toda a hora chegamos,
partimos ou deambulamos em dias de folga. Nem sempre em concordância com os
outros que nos preenchem a vida aqui, o que nos torna saudavelmente viciados
nas novas tecnologias
"É
ao som de uma melodia arabesca que escrevo, vinda directamente da radiofonia do
rapazito da recepção”, escrevi há exactamente um ano quando cheguei ao Dubai.
Hoje, oiço o mesmo tipo de melodia, fruto do fenómeno aculturação. Gosto de
deambular o ouvido pelas pautas do deserto.
Lembro-me
de me sentar na minha nova cama e perguntar: “mas que raio estou eu aqui a
fazer..?”. Mais tarde descobri que todos os meus colegas fizeram a mesma
pergunta quando aterraram no novo quarto, espaçoso de mais para uma alma
emigrante, frágil e ainda tão amedrontada.
As
respostas são muitas: porque em Portugal não há condições para começar uma
“vida”, porque o próprio primeiro-ministro aconselha os jovens a emigrar. Creio
que a “desculpa” maior é o desafio imposto de desenraizar de casa, criar raízes
noutro canto do mundo e enriquecer por dentro. Cresce-se, aprende-se.
Desafiamos limites, ultrapassamos barreiras pessoais.
A
palavra saudade dilacera-nos. Aprendemos a coexistir com ela como um
"booster" de energia - condensamos os quilómetros de Portugal
Continental no coração. Vamos lá buscar algumas lembranças de momentos e de nós
mesmos quando a nossa identidade se difunde num dia-a-dia diferente do que nos
era habitual. As lágrimas rolam pela face quando gestos ou expressões de outrem
nos lembram as nossas origens hereditárias, as nossas amizades mais belas. Mas
está tudo bem! “A gente desenrasca-se!". No final, não há português mais
feliz que aquele que de estômago saudosista aspira todos os pitéus da mamã. A
casa é o melhor lugar do mundo e enquanto nos moldamos nos meandros do
crescimento, ela não muda. Mantém-se para nos receber com o mesmo cheiro e tudo
no mesmo lugar, tal e qual como a deixámos.
Aqui
os homens vestem-se de branco e as mulheres de preto. Eles têm um lenço na
cabeça, elas deixam apenas os olhos a descoberto. E no meio disto tudo um sem
número de etnias veste-se em concordância com o humor matinal da sua própria
cultura.
Aviões
descolam e aterram. Há sempre luzes no céu. A toda a hora chegamos, partimos ou
deambulamos em dias de folga. Nem sempre em concordância com os outros que nos
preenchem a vida aqui, o que nos torna saudavelmente viciados nas novas
tecnologias. Whatsapps, skypes, bbm's tornaram-se ferramentas essenciais na
nossa vida social e emocional pelo conforto de saber que à distância de um
clique podemos viajar em fusos horários e comunicar a quilómetros de distância.
Isso traz-nos o conforto da proximidade e de pertença, preenche-nos a alma numa
profissão que por vezes pode ser muito solitária, não só pelo facto de estarmos
longe de casa mas porque trabalhamos com pessoas diferentes todos os dias, onde
o tempo, na maior parte das vezes, não dá para transformar um colega num amigo;
e a fase de introdução e das primeiras impressões é inerente a cada voo.
Quase
nunca sei quando é segunda-feira ou fim-de-semana. As minhas horas laborais já
não são distribuídas uniformemente pelos dias da semana, o que aboliu qualquer
tipo de rotina da minha vida. Os meus meses são apenas geridos pelo número de
horas que estou no ar e os dias que estou em terra. Não me importo. Nunca fui
muito compatível com esse tipo de rotina laboral, de modos que me sinto bem à
deriva pelos dias da semana, perdida em fusos horários, por vezes “bêbeda” em
"jetlag".
Somos
cada vez mais portugueses aqui e já abriu um restaurante português onde podemos
desfrutar de um fadinho e de um caldo verde para aquecer a alma. Creio que já
faltou mais para o surgimento do fenómeno “bailarico” no Médio Oriente.
Maria Lopes. (2012, 23 de dezembro). Ser Hospedeira de Bordo no
Dubai. P3. Consultado a 13 de janeiro em: http://p3.publico.pt/vicios/em-transito/5914/ser-hospedeira-de-bordo-no-dubai
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