Por Vanda Marques,
ionline,
3 Jul 2012
Investigador, marketeer, consultor e um dos maiores gurus do branding,
o dinamarquês Martin Lindstrom foi considerado pela revista “Time” uma das 100
pessoas mais influentes do mundo. O autor tem um novo livro e conversou com o i
sobre como as marcas nos fazem lavagem ao cérebro
Aditivos na comida, nos batons e sentimentos de culpa. Vale tudo. O marketing
é um assunto sério e Martin Lindstrom, publicitário dinamarquês, que trabalhou
na Disney, PepsiCo, McDonalds e Microsoft, conta como é que as marcas nos andam
a dar a volta. O livro “Brandwashed – Os Truques de Marketing que as Empresas
usam para Manipular as Mentes” pode assustá-lo, mas é uma chamada de atenção
para a forma como consumimos. Depois de ter estado um ano em celibato de
marcas, Martin Lindstrom, eleito em 2009 uma das 100 pessoas mais influentes no
mundo pela revista “Time”, quer tornar-nos mais conscientes. Em entrevista ao i
explicou que é fácil reduzir as compras irreflectidas. Podemos começar por
coisas tão simples como usar dinheiro e não o cartão e ouvir música que não
gostamos: vai comprar menos 19%.
No livro diz que as nossas preferências por marcas surgem quando somos
crianças. Como é possível?
Há algumas marcas que nos influenciam até quando estamos na barriga da
mãe?
Isso acontece porque somos influenciados pelo sabor da comida ou pelos
sons quando ainda estamos no útero. Estes sons criam-nos predisposições para
certas coisas, como por exemplo música e até preferências de sabores. As marcas
vão se tornando cada vez mais sofisticadas e começamos a ver como criam sons e
sabores para chegarem ao útero. Assustador. Não são muitas as que fazem isto,
mas há algumas que revelo no meu livro.
Quer dizer que somos viciados em marcas?
Sim, somos. As marcas dão-nos uma sensação de confiança e quanto mais
pressionados nos sentimentos, mais confiamos nas marcas. Hoje sabemos que os
jovens ficam mais viciados em marcas quanto menor é a sua autoconfiança e pelo
caminho vão comprar ainda mais. Cerca de 70% dos miúdos sentem pressão na
escola para vestir as marcas certas. É como um uniforme, ou usas o cool ou não
fazes parte da tribo.
Como é que as empresas nos fazem uma lavagem ao cérebro?
Este é o meu sexto livro, depois de trabalhar durante 25 anos com
marcas em todo o mundo, penso que é importante que os consumidores saibam o que
se passa nos bastidores das empresas e ao mesmo tempo pressioná-las para que
ponham a casa em ordem. Podemos dizer que todos achamos que somos imunes à
publicidade, mas descobri – em parte porque fiz as minhas próprias experiências
quando estive na desintoxicação de marcas – que não conseguimos viver sem
marcas. Ainda mais importante é que quando acreditamos que somos imunes é
quando estamos mais susceptíveis. A mensagem do meu livro é para que as pessoas
tomem consciência do que se passa e se tornem consumidores informados e não
ingénuos.
Quais são os principais truques utilizados pelas marcas para nos
manipular?
Medo e culpa. Ao incutir medo em todas as mensagens somos 10 vezes
mais capazes de escolher qualquer oferta que haja por aí. O medo de
envelhecermos, engordarmos, ficarmos sozinhos, ser impopulares, ter uns filhos
falhados. A culpa é um vírus em crescimento, principalmente entre as mulheres.
Como forma de remover alguma dessa culpa, as marcas oferecem “soluções” –
muitas vezes soluções que não resolvem nada. A culpa pode ser desde “não sou
uma boa mãe”, a ter “problemas com o meu corpo”, a “não sou uma boa mulher”. E
a ideia é: compra a marca X e vais ser feliz.
Mas como é que se mantém essa relação com a marca? Uma coisa é um
impulso, uma vez.
Ao copiar o consumidor e as suas necessidades e ao criar uma
imagem aspiracional, da qual gostaríamos de fazer parte. Deixa-me explicar:
quando sentimos que a pessoa com quem estamos a falar realmente nos entende,
vamos ouvi-la e aceitar os seus conselhos. Em segundo lugar, se for alguém que
admiramos que queremos ser como ela ou segui-la. Estes são os fundamentos das
marcas.
As marcas também criam necessidades que não temos, objectos que nem
precisamos. Como é que o conseguem?
Vêm-me à cabeça uma tonelada de formas, umas boas e outras menos
apelativas. Por exemplo, a Apple. Muitas pessoas amam a marca, é fácil de usar,
tem um design incrível e é inovadora. No entanto, nos bastidores há muito mais
a acontecer. Quando compras um produto da Apple ficas, de certa forma, preso. A
Apple só funciona com a Apple. Só o iTunes funciona, só um staff autorizado da
Apple pode abrir e mudar a bateria do teu iPod. Além disso, a marca cria uma
segunda camada de necessidade, ou seja, precisamos de estar sempre a comprar o
último modelo. Se não tens o iPhone 4S sentimo-nos um fracassado. Uma necessidade
pode ser criada de várias maneiras.
Para o livro estudou várias marcas. Qual foi a que mais o surpreendeu?
De longe, a Carmex. É uma marca de batons que tem aditivos. Claro que
a empresa argumenta que é mentira mas depois de inúmeras investigações e
entrevistas com especialistas é óbvio que tem de existir um pouco de verdade
aqui, porque quem começa a usar batons da Carmex não consegue parar.
No livro fala ainda de snacks e chocolates que têm substâncias
viciantes. As empresas não acham que isso é ir longe de mais?
Algumas sim, outras não. Não preciso de dar exemplos como os cigarros,
o álcool, talvez a moda, os produtos farmacêuticos, sem esquecer a moda dos
upgrades dos gadgets. O vício tem dimensões muito diferentes.
Na publicidade aparecem muitas celebridades. Isso ajuda a vender?
Claro, e cada vez mais porque precisamos de líderes na nossa
sociedade. Como já não confiamos nos políticos e as famílias reais são
limitadas – a próxima geração de famílias reais são celebridades – precisamos
de alguém em quem confiar, seguir e admirar para ganharmos autoconfiança.
Então quer dizer que sempre que compramos não o fazemos de forma
racional?
Sabemos hoje que 85% das nossas decisões são tomadas
inconscientemente, ou seja, feitas sem a nossa percepção. As marcas vivem nesse
espaço, porque resumem-se a sentimentos.
Como é podemos ser consumidores mais inteligentes e menos ingénuos?
Arrisco-me a dizer, fora de brincadeiras, que será ao lerem
“Brandwashed”. Mesmo assim, aqui ficam alguns conselhos:
1. Pagar em dinheiro. Ao pagar em dinheiro garantimos um
relacionamento seguro e real com o dinheiro e dessa forma gastas menos. Na
nossa experiência houve uma redução de 11%
2. Usar o iPod (ou outro gadget parecido) com música muito alta, de
preferência uma que não gostes. Isto vai ajudar a cortar o lado mais sedutor
das compras e assim compras menos coisas, cerca de 19%
3. Nunca leves as crianças às compras, elas fazem com que compres
mais, um aumento de cerca de 26%
4. Deves comer antes de ir às compras, vai fazer com que compres muito
menos, não apenas comida. Reduz cerca de 22%.
5. Nunca uses um carrinho de compras, é preferível carregares as
compras nos braços. Nos últimos cinco anos o tamanho dos carrinhos de compras
duplicou, o que gerou um aumento de 40% nas compras.
Porque decidiu trabalhar em marketing?
Adoro marketing. Trabalho em publicidade desde os 12 anos, quando
comecei a minha própria publicidade. Quando tinha 8 anos só via anúncios
televisivos e apagava a televisão quando os programas começavam.
O que o atrai na publicidade?
A psicologia e a capacidade incrível para fazer alguma coisa boa de
forma poderosa. Por exemplo, uma campanha anti-tabagismo ou contra a condução
sob o efeito de álcool.
Trabalhou com a McDonalds para criar uma imagem mais saudável na
Europa, como a mudança para a cor verde. Como foi?
Uma das minhas condições para aceitar trabalhar com a McDonalds foi a
criação de um novo e mais saudável Happy Meal. Criámos alguns conceitos
incríveis que ainda hoje existem.
Durante um ano viveu sem marcas. Como correu a experiência?
Foi estranho, duro e divertido. Deixei de consumir marcas simplesmente
porque... bem, estava viciado. Preciso de dizer mais alguma coisa? Quero dizer,
sou um brand guy viciado no meu próprio medicamento. Irónico, não?
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