quarta-feira, 18 de julho de 2012

Lindstrom.“65% das marcas que compramos em adulto foram decididas aos 6 anos”

Por Vanda Marques,
ionline, 3 Jul 2012

Investigador, marketeer, consultor e um dos maiores gurus do branding, o dinamarquês Martin Lindstrom foi considerado pela revista “Time” uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. O autor tem um novo livro e conversou com o i sobre como as marcas nos fazem lavagem ao cérebro
Aditivos na comida, nos batons e sentimentos de culpa. Vale tudo. O marketing é um assunto sério e Martin Lindstrom, publicitário dinamarquês, que trabalhou na Disney, PepsiCo, McDonalds e Microsoft, conta como é que as marcas nos andam a dar a volta. O livro “Brandwashed – Os Truques de Marketing que as Empresas usam para Manipular as Mentes” pode assustá-lo, mas é uma chamada de atenção para a forma como consumimos. Depois de ter estado um ano em celibato de marcas, Martin Lindstrom, eleito em 2009 uma das 100 pessoas mais influentes no mundo pela revista “Time”, quer tornar-nos mais conscientes. Em entrevista ao i explicou que é fácil reduzir as compras irreflectidas. Podemos começar por coisas tão simples como usar dinheiro e não o cartão e ouvir música que não gostamos: vai comprar menos 19%.

No livro diz que as nossas preferências por marcas surgem quando somos crianças. Como é possível?
Há algumas marcas que nos influenciam até quando estamos na barriga da mãe?

Isso acontece porque somos influenciados pelo sabor da comida ou pelos sons quando ainda estamos no útero. Estes sons criam-nos predisposições para certas coisas, como por exemplo música e até preferências de sabores. As marcas vão se tornando cada vez mais sofisticadas e começamos a ver como criam sons e sabores para chegarem ao útero. Assustador. Não são muitas as que fazem isto, mas há algumas que revelo no meu livro.
Quer dizer que somos viciados em marcas?

Sim, somos. As marcas dão-nos uma sensação de confiança e quanto mais pressionados nos sentimentos, mais confiamos nas marcas. Hoje sabemos que os jovens ficam mais viciados em marcas quanto menor é a sua autoconfiança e pelo caminho vão comprar ainda mais. Cerca de 70% dos miúdos sentem pressão na escola para vestir as marcas certas. É como um uniforme, ou usas o cool ou não fazes parte da tribo.
Como é que as empresas nos fazem uma lavagem ao cérebro?

Este é o meu sexto livro, depois de trabalhar durante 25 anos com marcas em todo o mundo, penso que é importante que os consumidores saibam o que se passa nos bastidores das empresas e ao mesmo tempo pressioná-las para que ponham a casa em ordem. Podemos dizer que todos achamos que somos imunes à publicidade, mas descobri – em parte porque fiz as minhas próprias experiências quando estive na desintoxicação de marcas – que não conseguimos viver sem marcas. Ainda mais importante é que quando acreditamos que somos imunes é quando estamos mais susceptíveis. A mensagem do meu livro é para que as pessoas tomem consciência do que se passa e se tornem consumidores informados e não ingénuos.
Quais são os principais truques utilizados pelas marcas para nos manipular?

Medo e culpa. Ao incutir medo em todas as mensagens somos 10 vezes mais capazes de escolher qualquer oferta que haja por aí. O medo de envelhecermos, engordarmos, ficarmos sozinhos, ser impopulares, ter uns filhos falhados. A culpa é um vírus em crescimento, principalmente entre as mulheres. Como forma de remover alguma dessa culpa, as marcas oferecem “soluções” – muitas vezes soluções que não resolvem nada. A culpa pode ser desde “não sou uma boa mãe”, a ter “problemas com o meu corpo”, a “não sou uma boa mulher”. E a ideia é: compra a marca X e vais ser feliz.
Mas como é que se mantém essa relação com a marca? Uma coisa é um impulso, uma vez.

Ao copiar o consumidor e as suas necessidades e ao criar uma imagem aspiracional, da qual gostaríamos de fazer parte. Deixa-me explicar: quando sentimos que a pessoa com quem estamos a falar realmente nos entende, vamos ouvi-la e aceitar os seus conselhos. Em segundo lugar, se for alguém que admiramos que queremos ser como ela ou segui-la. Estes são os fundamentos das marcas.
As marcas também criam necessidades que não temos, objectos que nem precisamos. Como é que o conseguem?

Vêm-me à cabeça uma tonelada de formas, umas boas e outras menos apelativas. Por exemplo, a Apple. Muitas pessoas amam a marca, é fácil de usar, tem um design incrível e é inovadora. No entanto, nos bastidores há muito mais a acontecer. Quando compras um produto da Apple ficas, de certa forma, preso. A Apple só funciona com a Apple. Só o iTunes funciona, só um staff autorizado da Apple pode abrir e mudar a bateria do teu iPod. Além disso, a marca cria uma segunda camada de necessidade, ou seja, precisamos de estar sempre a comprar o último modelo. Se não tens o iPhone 4S sentimo-nos um fracassado. Uma necessidade pode ser criada de várias maneiras.
Para o livro estudou várias marcas. Qual foi a que mais o surpreendeu?

De longe, a Carmex. É uma marca de batons que tem aditivos. Claro que a empresa argumenta que é mentira mas depois de inúmeras investigações e entrevistas com especialistas é óbvio que tem de existir um pouco de verdade aqui, porque quem começa a usar batons da Carmex não consegue parar.
No livro fala ainda de snacks e chocolates que têm substâncias viciantes. As empresas não acham que isso é ir longe de mais?

Algumas sim, outras não. Não preciso de dar exemplos como os cigarros, o álcool, talvez a moda, os produtos farmacêuticos, sem esquecer a moda dos upgrades dos gadgets. O vício tem dimensões muito diferentes.
Na publicidade aparecem muitas celebridades. Isso ajuda a vender?

Claro, e cada vez mais porque precisamos de líderes na nossa sociedade. Como já não confiamos nos políticos e as famílias reais são limitadas – a próxima geração de famílias reais são celebridades – precisamos de alguém em quem confiar, seguir e admirar para ganharmos autoconfiança.
Então quer dizer que sempre que compramos não o fazemos de forma racional?

Sabemos hoje que 85% das nossas decisões são tomadas inconscientemente, ou seja, feitas sem a nossa percepção. As marcas vivem nesse espaço, porque resumem-se a sentimentos.
Como é podemos ser consumidores mais inteligentes e menos ingénuos?

Arrisco-me a dizer, fora de brincadeiras, que será ao lerem “Brandwashed”. Mesmo assim, aqui ficam alguns conselhos:
1. Pagar em dinheiro. Ao pagar em dinheiro garantimos um relacionamento seguro e real com o dinheiro e dessa forma gastas menos. Na nossa experiência houve uma redução de 11%

2. Usar o iPod (ou outro gadget parecido) com música muito alta, de preferência uma que não gostes. Isto vai ajudar a cortar o lado mais sedutor das compras e assim compras menos coisas, cerca de 19%
3. Nunca leves as crianças às compras, elas fazem com que compres mais, um aumento de cerca de 26%

4. Deves comer antes de ir às compras, vai fazer com que compres muito menos, não apenas comida. Reduz cerca de 22%.
5. Nunca uses um carrinho de compras, é preferível carregares as compras nos braços. Nos últimos cinco anos o tamanho dos carrinhos de compras duplicou, o que gerou um aumento de 40% nas compras.

Porque decidiu trabalhar em marketing?
Adoro marketing. Trabalho em publicidade desde os 12 anos, quando comecei a minha própria publicidade. Quando tinha 8 anos só via anúncios televisivos e apagava a televisão quando os programas começavam.

O que o atrai na publicidade?
A psicologia e a capacidade incrível para fazer alguma coisa boa de forma poderosa. Por exemplo, uma campanha anti-tabagismo ou contra a condução sob o efeito de álcool.

Trabalhou com a McDonalds para criar uma imagem mais saudável na Europa, como a mudança para a cor verde. Como foi?
Uma das minhas condições para aceitar trabalhar com a McDonalds foi a criação de um novo e mais saudável Happy Meal. Criámos alguns conceitos incríveis que ainda hoje existem.

Durante um ano viveu sem marcas. Como correu a experiência?
Foi estranho, duro e divertido. Deixei de consumir marcas simplesmente porque... bem, estava viciado. Preciso de dizer mais alguma coisa? Quero dizer, sou um brand guy viciado no meu próprio medicamento. Irónico, não?

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