Semana dedicada a bichos e outros animais
Jacques Prévert. Os primeiros burros. In Jacques Prévert (s/d). Histórias para meninos sem juízo. (Pedro Tamen, Trad.). Lisboa: Teorema. pp. 79-91. (publicado pela primeira vez em 1947)
“Os Primeiros Burros”
Jacques Prévert
Dantes os burros eram completamente selvagens, isto é, comiam quando tinham fome, bebiam quando tinham sede e corriam pela erva quando isso lhes apetecia.
Às vezes vinha um leão que comia um burro, e logo todos os outros burros desatavam a fugir gritando como burros, mas no dia seguinte já não pensavam mais nisso e recomeçavam a zurrar, a beber, a comer, a correr, a dormir… Em suma, excepto nos dias em que aparecia um leão, tudo corria bastante bem.
Um dia, os reis da criação (é o nome que os homens gostam de dar a si mesmos) chegaram à terra dos burros, e os burros, muito contentes por verem caras novas, galoparam ao encontro dos homens.
Os burros (falando enquanto galopam): “São uns animais engraçados, pálidos, andam com duas patas, têm orelhas muito pequenas, não são muito bonitos mas temos de lhes proporcionar uma recepçãozita… é o mínimo que podemos fazer…”
E os burros põem-se a fazer graças, rebolam pela erva agitando as patas, cantam a canção dos burros, e depois, engraçadíssimo, começam a dar uns empurrõezinhos nos homens para os fazerem cair no chão; mas o homem não gosta muito de brincadeiras quando não é ele a brincar, e ainda não passaram cinco minutos desde que os reis da criação chegaram à terra dos burros e já todos os burros estão amarrados como salpicões.
Todos menos o mais novo, o mais tenro, que é morto e assado no espeto, com todos os homens à sua volta de faca na mão. Quando o burro já está bem passado, os homens começam a comer e fazem uma careta de mau humor, atirando depois com as facas para o chão.
Um dos homens (falando sozinho): “Não tem comparação com a vaca, não tem comparação com a vaca!”
Outro: “Não presta, gosto mais de carneiro!”
Outro: “Ai que mau que é” (chora).
E os burros presos, vendo o homem a chorar, pensam que é o remorso que lhe puxa as lágrimas.
“Vão deixar-nos ir embora”, pensam os burros, mas os homens levantam-se e começam a falar todos ao mesmo tempo com grandes gestos.
Coro de homens: “Estes animais não servem para comer, dão gritos desagradáveis, têm orelhas ridículas e compridas, são de certeza estúpidos e não sabem ler nem contar; vamos chamar-lhes burros porque tal nos agrada, e serão eles a transportar os nossos embrulhos.
“Nós é que somos os reis. Em frente!”
E os homens levaram os burros.
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