terça-feira, 10 de abril de 2012


Excerto de “Sete lugares onde já encontrei Portugal” de José Luís Peixoto

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Facebook

Eu tinha perfil no facebook há dois ou três meses. Tinha sido o Alvim a dizer-me que precisava de entrar para o facebook, que não podia passar mais um dia sem criar um perfil no facebook. Já se sabe que o Alvim exagera. Um fósforo é um incêndio, um sopro é um ciclone. Mas, com a autoridade de x milhares de amigos, convenceu-me. Fui recebendo os pedidos de amizade com calma e curiosidade. Colegas da escola primária que agora tinham filhos, viviam nos arredores de Londres e me escreviam com erros ortográficos; alunas de escolas secundárias que me enviavam «lol», «bjs» e mensagens a dizer que o mundo ia acabar; mulheres, mulheres; personagens estranhas inventadas por rapazes de catorze ou quinze anos; homens que publicavam livros de poesia com títulos onde entravam as palavras «alma» ou «momentos», reticências. Foi no meio desses pedidos de amizade que recebi um de Portugal. Não o reconheci logo. Tinha uma fotografia que apenas lhe mostrava o tronco: calças de ganga, a parte de cima das cuecas, a barriga e a mão de Portugal a segurar a t-shirt, a outra mão esticada a tirar a fotografia. Escolhendo de modo aleatório, os comentários eram do género: Tina —sexy!!!; Paty — uiui!!!; Bomba Algarve — adiciona-me no msn; Carminho – sem palavras :P; etc. Além disso, tinha fotos em que aparecia sentado numa mota, ou com um cachecol do Benfica, ou numa festa de aniversário num barracão, ou a saltar para dentro de uma piscina, ou a comer mexilhões. No perfil propriamente dito, Portugal tinha mentido na idade, mais jovem. No «relationship status», tinha seleccionado a opção «tell you later». Nos filmes preferidos, só tinha escolhido filmes de terror. Nos amigos principais, só tinha raparigas em biquíni. Nos comentários, havia uma sucessão de mulheres a desejarem-lhe votos de bom fim-de-semana. Aceitei o pedido de amizade de Portugal, claro. Até hoje, pelo facebook, não trocámos mais do que duas ou três mensagens inconsequentes.

José Luís Peixoto (2011). Sete lugares onde já encontrei Portugal.
In: Abraço. Lisboa: Quetzal. pp. 239-240. 

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