Foto disponível em Il Journal
“A distância que separa os vivos os mortos é assim tão
grande?”
(Antonio Tabucchi, O Fio do Horizonte, p.10)
[excerto de O Fio do Horizonte)
Pegou então na folha
sobre a qual tinha escrito a interrogação sobre Hécoba e pendurou-a com uma
mola na corda da roupa do terraço, voltou a sentar-se na mesma posição em que
estava e olhou para ela. A folha esvoaçava como uma bandeira batida pela brisa
forte, era uma mancha clara e crepitante contra a noite que ia caindo.
Contentou-se em ficar a olhar para ela, estabelecendo de novo um nexo entre aquela
folha que se agitava na penumbra e o fio do horizonte que a pouco e pouco se
desvanecia no escuro. Levantou-se lentamente porque se apoderara dele um grande
cansaço: mas era um cansaço calmo e pacífico que o levava para a cama pela mão
como se voltasse a ser criança.
E de noite teve um
sonho. Era um sonho que já não aparecia há anos, muitos anos. Era um sonho
infantil, e ele era leve e inocente; e a sonhar tinha curiosamente a
consciência de ter reencontrado aquele sonho, e isso aumentava a sua inocência,
como uma libertação.
Antonio Tabucchi (1997). O Fio do Horizonte.
(Helena Domingos, Trad.). Lisboa: Quetzal
Editores. p.83.
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