quarta-feira, 12 de junho de 2013

Onésimo Teotónio Almeida
A Ilha desconhecida
[excerto]
       Ou a Bela Adormecida. Hoje apetece-me falar de algo que a quase totalidade dos leitores conhece apenas de nome. Vou meter-me na contradição de fazer alarde da quinta-essência da ilha – São Jorge – esperando que poucos ou nenhuns queiram ir verificar a fonte do meu entusiasmo, porque esse seria o fim dela como museu, não sei se do Tempo, do Silêncio, do Verde ou da Paz.
       Raul Brandão, quem melhor viu os Açores de fora e quem ajudou as gerações de dentro, que vieram depois dele, a olhar o arquipélago, não parece ter lá estado muito tempo. Nesse belo livro de viagens As Ilhas Desconhecidas, chamou-lhe “ilha fúnebre”. “Pastagens, pastagens… Terra triste, impressão severa.” Confessava que lhe falavam do nobre pitoresco, mas tudo perdera para si o interesse desde que topara com um pastor, cara de estranho, a falar-lhe inexpressivamente da vida. Com indiferença. O isolamento comunicara-lhe a mudez.
       Por São Jorge caí de amores à primeira vista há um quarto de século. A ilha ficou-me um vício a matar periodicamente, mas tem piorado com o remédio da cura.
       São Jorge não se escreve, embora alguns poetas tenham experimentado. Da sua Lisboa, Carlos Faria, o mais antigo e mais fanático jorgense de coração que conheço, por lá ia em serviço e não se cansava de tentar: “Sentado no ponto mais alto da Ilha, (…) toda a paz me acontece. (…) Nenhuma altitude nos tira do pé do mar. (…) Longe do mar, aqui no mar?” Ou: “A Costa Norte rebenta de silêncio.” “ Um silêncio / corre dos meus ouvidos…”. “Salto verde entre o céu e o mar”. Ou ainda: “São asas estes dias de bruma, este / cobrir de distância a viagem / que nos cerca!”
       […]
       Em São Jorge, só a conversa não é ruído. Por isso aquele rapaz da Beira, povoação de umas escassas centenas de pessoas, me dizia no seu falar arrastado: “ Eu já não podia com o barulho e mudei-me para a Fajã de João Dias”. Desce-se também só a pé e a caminhada não é fácil. Dizem, porque eu nunca fui, nem me devem querer lá. Ou deve, no singular, pois resta saber se morará mais alguém ao fundo daqueles quatrocentos metros de rocha íngreme, diante do mar Atlântico que se estende até ser Árctico.
       O leitor dirá que escrevo tocado pela nostalgia da distância. Alguns amigos açorianos dizem-me que sim, que da América a insularidade é mais romântica. E o meu amigo Daniel de Sá deve ter pensado em gente como eu quando escreveu no seu Ilha Grande Fechada (já lhe leram esse belo romance?) que emigrar é a pior maneira de ficar na ilha.
       Ponto de vista dele, claro. Do meu, se calhar diria que emigrar é, afinal, a melhor maneira de lá ficar.

Almeida, Onésimo Teotónio (1997). Rio Atlântico.
Lisboa: Edições Salamandra. pp. 175-178.

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