segunda-feira, 11 de junho de 2012


Nuno Júdice
RECEITA PARA FAZER O AZUL 

Se quiseres fazer azul, 
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande, 
que possas levar ao lume do horizonte; 
depois mexe o azul com um resto de vermelho 
da madrugada, até que ele se desfaça; 
despeja tudo num bacio bem limpo, 
para que nada reste das impurezas da tarde. 
Por fim, peneira um resto de ouro da areia 
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal. 
Se quiseres, para que as cores se não desprendam 
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado. 
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez 
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre 
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor 
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico. 
Ambas a s cores te parecerão semelhantes, sem que 
possas distinguir entre uma e outra. 
Assim o fiz – eu, Abraão ben Judá Ibn Haim, 
iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser, 
algum dia, imitar o céu. 

Fonte: Nuno Júdice (2000). «Receita para fazer o azul», in: Poesia Reunida 1967-2000. Lisboa: Publicações Dom Quixote, p. 600.

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