Marta odiava ir à escola. Ali, as palavras que reinavam eram palavras-confusão. Palavras que pareciam importantes, mas que, na verdade, não queriam dizer absolutamente nada. Pelo menos na ideia dela. A cabeça de Marta estava repleta de perguntas, e nenhuma daquelas palavras-confusão conseguia responder às perguntas dela.
— Quem são os reis de Roma? Rómulo e Remo, Anco Márcio, Túlio Hostílio... O que eu queria saber é por que vimos nós ao mundo. Se a Marianita come um quinto da torta, quanto fica para os outros meninos comerem? Para onde vão as pessoas quando já não existem? Quem e qual não levam acento na vogal. A toda a hora me apetece chorar e não sei porquê. Para não fazer figuras tristes, aprendi uma maneira de me defender. Olho fixamente uma coisa qualquer, um caderno, o saco de um colega, o canto preto do quadro. Olho e, devagarinho, entro lá para dentro; já não sou a Marta, mas o caderno, o saco do colega. Aconteça o que acontecer, mantenho-me indiferente, como se fosse feita de papel, de plástico, de madeira.
Poucos meses depois do começo das aulas, as professoras mandaram chamar os pais dela. Com o máximo de rodeios possível, disseram-lhes que a menina era um pouco «carente do ponto de vista das relações antropo-sociais e, no que respeita à reactividade verbal, parece manifestar uma espécie de ausência, curiosa e inexplicável».
— Percebeste? — disse o pai, à saída. — Uma maneira airosa de nos dizerem que ela não é como os outros.
— Sou diferente? — perguntou Marta ao avô, num dia em que contemplavam a chuva a cair para lá das vidraças.
— Diferente de quem?
— Não sei, dos outros.
— Os outros parecem-te iguais?
— No recreio, todos riem, todos se divertem. À hora das perguntas, sabem sempre as respostas certas.
— Gostavas de ser assim?
Marta respondeu afirmativamente.
— E porquê?
— Porque assim, pelo menos, ninguém faria pouco de mim.
— E isso é o mais importante? Tens a certeza?
— Acho que sim.
— Então, chega-te cá para eu te dizer um segredo.
Marta encostou um ouvido à boca do avô.
Psss psss pss...
— Podes repetir?
Pss pss ps...
— Estás a falar a sério ou a mangar comigo?
— Jamais me atreveria — respondeu o avô, fingindo-se ofendido.
— Mas eu não sei fazer nada. Nada de nada.
— Isso é o que tu pensas. Mas sempre que assim pensares, lembra-te de uma coisa: quem é diferente é mais rico. Nunca te contei, por exemplo, a história do patinho feio?
— Não.
— Que distraído! Portanto, era uma vez, num quintal, uma pata que pôs ovos...
A partir daquele dia, o patinho feio tinha-se tornado a história de ambos. (…)
Susanna Tamaro (1999). Tobias e o Anjo. Lisboa: Editorial Presença. pp. 22-23.
Susana Tamaro – Biografia
Entrevista com Susana Tamaro